BUGIO

Por: Marina Saraiva (IOC/Fiocruz)*

 

O aumento do número de casos humanos de febre amarela silvestre tem sido acompanhado por outra triste estatística: a mortandade de macacos, vítimas de violência e envenenamentos. Além de ser crime ambiental, matar esses animais prejudica – e muito – o controle da doença. O desaparecimento desses mamíferos provoca um desequilíbrio ambiental e leva os mosquitos transmissores do gênero Haemagogus e Sabethes, que habitam o alto das árvores e têm preferência por picar macacos, a voar mais baixo e procurar uma fonte alternativa de alimentação. “Com isso, pessoas que adentram as matas para atividades de trabalho e lazer ficam mais sujeitas a picadas”, explica o veterinário e entomologista Ricardo Lourenço, chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

Assista e compartilhe a vídeo-reportagem sobre a importância dos macacos no combate à febre amarela: https://youtu.be/cFjGX8NvHwA

Sensíveis ao vírus da febre amarela, os primatas também são vítimas da doença: eles adoecem e, frequentemente, morrem. O óbito de macacos em determinada área é um dos principais indícios de circulação do vírus em regiões de matas e florestas, servindo como um alerta para as autoridades de saúde adotarem medidas de prevenção, com a vacinação dos moradores da região. “Os macacos podem ser considerados verdadeiros sentinelas para o sistema de vigilância em saúde”, enfatiza Ricardo, acrescentando que a única forma de transmissão do vírus é pela picada de mosquitos – não há transmissão diretamente a partir dos macacos.

Bugios e saguis são especialmente sensíveis ao vírus


Os macacos que habitam a América do Sul costumam adoecer e morrer em curto período de tempo após a infecção pelo vírus da febre amarela. Ricardo explica que o contato das espécies de primatas sul-americanos com o vírus é relativamente recente, datando de pouco mais de 400 anos. “Esse é o período em que se imagina que o vírus da febre amarela chegou ao continente americano vindo da África”, explica Lourenço. Ele relata que o vírus chegou à América do Sul em ambientes urbanos, trazido por pessoas infectadas. Depois de uma série de epidemias em ambientes urbanos, foi estabelecido o ciclo silvestre de transmissão do vírus. “Já na África, os macacos evoluíram junto com o vírus da febre amarela e, por isso, são mais resistentes a ele”, destaca.

A sensibilidade dos primatas ao vírus varia entre as espécies. “Os bugios ou guaribas, como são conhecidos na Amazônia, são extremamente sensíveis. É provável que quase todos morram quando infectados. Os saguis também são muito sensíveis. Já os macacos-prego até chegam a adoecer, mas dificilmente chegam a óbito com a doença”, enumera o especialista.

O pesquisador reforça que o combate à febre amarela envolve duas medidas principais: a vacinação de pessoas nas áreas de risco para transmissão do vírus, para evitar a propagação do patógeno, e o combate a criadouros do mosquito Aedes aegypti, minimizando o risco de uma potencial reurbanização da febre amarela – o último registro da transmissão urbana no país ocorreu no Acre, em 1942.