Depois de mais de 10 anos desde a última realização de uma Conferência Estadual de Saúde Mental do Rio de Janeiro, a V CESMRJ mostrou que a luta contra os retrocessos na área da Atenção Psicossocial no país continua viva e atuante. Realizada nos dias 17 e 18 de setembro, na UERJ, com a participação da sociedade civil representada nos usuários do Sistema Único de Saúde, entidades ligadas à Saúde Mental, movimentos de luta antimanicomial, gestores de saúde, profissionais de saúde e mais de 300 delegados e delegadas vindas das nove Regiões de Saúde do estado, a conferência em si foi palco de um grande debate acerca das políticas da Saúde Mental não só no Rio de Janeiro, mas também abrangendo as principais pautas a nível nacional.
A acalorada ênfase na defesa da democracia no Brasil, percebida desde a Cerimônia de Abertura, perpassando as salas onde ocorreram as discussões sobre os eixos temáticos e culminando na votação das propostas que o Rio deverá levar até a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, a ser realizada ano que vem em Brasília, também abriu espaço para a análise da situação das políticas públicas de saúde como um todo, momento onde foi possível aos participantes elencar as virtudes de cada programa instituído, bem como as carências que devem ser sanadas com novas propostas originadas na experiência de quem, de fato, vive o dia a dia do SUS. Neste sentido, a participação direta nas conversas – e nos momentos de decisões – de usuários dos Caps e Raps foi de fundamental importância para o aprofundamento das teses da conferência.
A Mesa de Abertura recebeu o secretário de estado de saúde, Dr. Alexandre Chieppe, Fernanda da Guia, representante do Conselho Nacional de Saúde, Thaísa Guerreiro, coordenadora da Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria Pública do ERJ, Rogério Alves Rufino Lopes, Pró-Reitor de Saúde da UERJ, Mário Sérgio Alves Carneiro, Reitor da UERJ, Márcia Lustosa Carreira, coordenadora do CAO Saúde do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Alves Torres Oliveira, Presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Rio de Janeiro – Cosems e de Daniel Elia, coordenador da Comissão Organizadora da V CESMRJ.
Concomitante aos eixos centrais, formando um conjunto de diretrizes que acabam por justificar o SUS, também foi levada em consideração a saúde da população negra, o financiamento (ou desfinanciamento) da Saúde, a infância e a adolescência no contexto do Sistema Único e na Saúde Mental, gênero e sexualidade, Atenção Primária, a pandemia do novo coronavírus, dentre outros.
Os eixos que nortearam as discussões foram o ‘Cuidado em liberdade como garantia de direito à cidadania’, ‘Gestão, financiamento, formação e participação social na garantia de serviços de saúde mental’, ‘Política de saúde mental e os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS): Universalidade, Integralidade e Equidade’ e ‘- Impactos na saúde mental da população e os desafios para o cuidado psicossocial durante e pós-pandemia’.
Receio de retrocessos se justificam
Praticamente em uníssono, pode-se ouvir na V Conferência Estadual de Saúde Mental a defesa das políticas de saúde mental na luta antimanicomial, a necessidade de se superar os retrocessos que ocorreram a nível nacional na Atenção Psicossocial nos últimos seis anos em sintonia com a defesa intransigente da democracia no Brasil. Neste sentido, a defesa destas garantias e fortalecimento das Políticas de Saúde Mental no estado uniram gestores, usuários, representantes do Controle Social, entidades, movimentos de luta e de minorias e profissionais de saúde. Tal receio pôde ser justificado por conta das ameaças levadas à cabo pelo governo federal no que diz respeito ao amplo ‘revogaço’ de uma série de portarias que estruturam a política e que existem desde os anos 1990. Entre elas, estava (ou está) o fim do programa De Volta para Casa, que atua pela reinserção social de pessoas egressas de longos períodos de internação psiquiátrica. Conforme aponta o próprio Conselho Nacional de Saúde, “no Brasil, a Política Nacional de Saúde Mental vêm sofrendo graves ataques nos últimos anos. Medidas que estão colocando em risco conquistas históricas. Os impactos atingem a Rede de Atenção Psicossocial, com o incentivo à internação psiquiátrica e à separação da política sobre álcool e outras drogas, que passou a ter ênfase no financiamento de comunidades terapêuticas e uma abordagem proibicionista e punitivista”.
Cultura deu o tom na V CESMRJ
Nem só de propostas e discussões temáticas vive uma conferência de saúde mental. Isto ficou provado quando os grupos artísticos Coletivo Carnavalesco Tá Pirando, Pirado, Pirou e Harmonia Enlouquece levantaram o público do Teatro Odylo Costa Filho. Com muita empolgação, ritmo perfeito e letras pra lá de bem humoradas e em sintonia com a realidade dos usuários do SUS, os artistas deram vida ao evento, fazendo até o mais tímido dos participantes balançar o corpo ao som contagiante.
Dois concursos também foram destaque nesta V CESMRJ. Poesia e Prosa Nise da Silveira e Fotografia Leon Hirszman premiaram os três primeiros colocados e seus trabalhos foram apresentados diretamente no telão do teatro.
As propostas
Ao final, foram para o grande teatro da UERJ os delegados e delegadas que se debruçaram com dedicação à análise das propostas dos eixos e sub-eixos durante toda a tarde do sábado, dia 17 de setembro. Cerca de oito salas de aula foram ocupadas para que os presentes pudessem sintetizar aquilo que seria votado em plenário no dia seguinte. Desnecessário dizer que, para quem acompanhou de perto as discussões, o conteúdo extraído em 60 propostas foi do mais alto nível. A participação das Regiões de Saúde do estado foi tão intensa que algumas salas só encerraram suas atividades por volta das 19h.
Por conta desta profusão de ideias, vontades e esperanças de uma Atenção Psicossocial cada vez mais abrangente, atuante, universal e equânime, a votação final em plenário acabou por se estender para além do tempo estipulado na universidade. Em outras palavras, foram tantas as opiniões e solicitações de acréscimos ou supressões no texto final que o tempo acabou se esgotando sem ser possível, naquele domingo ensolarado do bairro do Maracanã, concluírem-se as 12 propostas que a delegação estadual eleita e homologada deverá levar até a capital federal, em 2023. Uma nova plenária será realizada no dia 7 de outubro para que, enfim, as 12 propostas surjam das 60 aprovadas para irem à votação. Esta plenária será realizada na sede da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, no Centro do Rio.
Agradecimentos
A secretaria executiva do Conselho Estadual de Saúde do RJ agradece ao empenho dos conselheiros estaduais de saúde, juntamente com a Secretaria de Estado de Saúde, movimentos de luta antimanicomial, movimentos sociais, artistas presentes, autoridades que engrandeceram ainda mais a V CESMRJ, servidores da SES/RJ, além dos esforços da Comissão Organizadora, corpo técnico da SES/RJ e CES/RJ, alunos da UERJ que fizeram parte da Relatoria, e convidados dos movimentos sociais e usuários das Caps e Raps. Sem eles, a realização da conferência não teria sido possível.
Daniel Spirin Reynaldo/Ascom CES-RJ